sexta-feira, 27 de abril de 2012

ABSURDO

Não faço o mínimo sentido
Ainda que funcional
Pai, profissional, marido
Ou me digam: és bestial
Chego ao absurdo de pensar
Que o sentido está na margem
Na ausência de lugar
Na lágrima que chora um amigo
No simples facto de pensar
E digo: coragem, fazes sentido
Mas nada faz sentido,
E nem sei se o que penso é real
Nem se sou real quando penso
Sou apenas um disfuncional,
Batido…
Por este vazio imenso!

Saio, colho uma flor
Sinto-a com os sentidos
Paro a memória, sou um olvido
E por instantes breves,
leves…
Faço sentido!

Valter Guerreiro

quinta-feira, 26 de abril de 2012

ALEGRIA

À tristeza disse um dia: cansei!
Foste minha, acabou!
Não sou teu…
E tanto riso lhe dei
Que de alegria
a magoei…
E a tristeza me esqueceu!

Valter Guerreiro
FORÇA PORTUGAL

Que praia é esta, que do mar se esqueceu?
Que campo se queima, de águas sedento?
Que caravela ali, sem caminho morreu?
Que cinzas de nós se perdem no vento?
Que inflamados cantos secaram no peito?
Que espinhas bravias cederam tão cedo?
Que forças venceram o cantado feito
De irmos ao mar de peito sem medo!
Bem sei que saímos fugindo da dor
E fomos heróis sem vencer o fado
Mas quem não temeu o Adamastor
Pode vencer em qualquer outro lado
Do lado de dentro, do tempo de agora
É donde te chamam, as vozes d`outrora
São as mesmas vozes, são turbas do sonho
Que esperam que cantes de novo a aurora
De um mundo que é teu, pois tu o fizeste
Num outro lado, num outro tempo,
Não menos agreste!
Força Portugal
Sou forte,
E tu me fizeste!
 
Valter Guerreiro
De um mundo onde os bem-aventurados são ricos sem espírito e de um céu onde os bem-aventurados são pobres de espírito nasceu a desventura da riqueza de espírito!

Valter Guerreiro
A tragédia dos países pobres deve menos à pobreza dos seus pobres do que à pobreza de espírito dos seus ricos!

Valter Guerreiro
A METAFÍSICA

A metafísica, quanto gosto dela!
E como sequei de amores,
as flores,
de mil cores,
com levezas de cetim,
enrugaram
E deixaram-me no peito
uma dor difusa, obtusa,
confusa…
Sem fim…
Onde me deito!
E só a tenho a ela,
a metafísica,
Que se não cansa de correr
Para lugar nenhum,
como eu...
E como gosto dela por ser assim
Ponho-a no peitoril da janela
a olhar o mundo,
para saber de mim!
 
Valter Guerreiro

POESIA EM EX CONTRA OS SIMPLEX

Estou perplexo por reflexo
de ser complexo…
Se assim não fosse,
uma flor seria uma flor
Mas a pura complexidade,
Vê em cada flor, um amor
E nele escreve: eternidade!

E neste complexo e perplexo desvario
As coisas não são o que são: são desejo
de a lágrima ser rio, o mar Adamastor
E quando um beijo é apenas um beijo
E a dor é só a dor
Não há poesia, há economia
Não há amor…

Se eu assim fosse seria um simplex
A luz das estrelas vulgar combustão
E o mundo seria curtex…
Como crânio que coubesse
na palma da minha mão…

Mas eu insisto em resistir
E não desisto de te pensar
Ideia, mulher, lugar
Onde os sonhos possam ir
De rua em rua
No chão da lua
Ao mundo que não há
Nem está para vir…

Afinal,
Sou tão simples de complexo
Que me basta um quintalzinho,
pequenexo…
Para plantar as sementes
E colher os rebentos
da minha poesia
Que fala das piras, das piranhas
e até do pirex…
Pura fantasia...
Nunca um simplex!

Valter Guerreiro
O Conformismo

O conformismo é o produto final de um processo de cedências no decurso do qual as opiniões pessoais e as capacidades criadoras abdicaram de se exprimir ou, mais gravemente, começaram a murchar na fonte. A cidade empalidece e fica mais desguarnecida.
Neste ponto, o homem dilui-se no não-ser e resta-lhe a lembrança de um sonho de si próprio que se apaga na impotência cívica e na solidão de todos os desencontros. Tecnicamente falando, a criatura aliena-se: perdendo-se de si, perde-se do mundo e transforma-se numa plasticina formatável pelos poderes sem compaixão.
A democracia identificava-se com a irreverência cívica e assumia a gestão constitucionalizada dos conflitos como a substância do exercício de uma liberdade que tinha como limites a sua própria defesa. A liberdade era tudo, porque a razão não vive sem ela e o mundo que a recusasse era inimigo da inteligência condenando-se ao obscurantismo que dá alimento à servidão.
O Homem da cidadela democrática seria livre de explodir na palavra, de se apresentar nas ideias e de as fazer intervir na gestão da vida colectiva: de que serviria a liberdade se o seu testemunho agonizasse no vazio? De que serviria a liberdade se o seu testemunho ocorresse nas margens? De que serviria a liberdade se o seu testemunho falecesse no silêncio? De que serviria a liberdade se o seu testemunho fosse hipocritamente punido? De que serviria a liberdade se não fosse liberdade?
A liberdade era a safira do futuro, a amante dos heróis, a inspiração dos poetas, a central nuclear das Luzes e, como tantos outros, Voltaire aceitava morrer pela palavra solta ainda que dela viessem maus ventos para o seu destino.
Liberta da falsidade arrogante dos dogmas, redimida da ignorância primária das superstições e resgatada das algemas da censura a palavra retirava a fantasia da clausura, dava oxigénio à inteligência, couraçava a confiança e punha os sentimentos em circulação na festa dos valores e na fidelidade aos factos.
Cada um escolheria o seu bom, o seu belo e o seu certo no versátil baú da vida. Haveria um filão de leite e de mel amigo de todas as sensibilidades e de todos os gostos que recusassem a violência sobre o outro: a violência física, a violência psicológica, a violência económica, a violência cultural e a violência do esquecimento.
Ciência à parte, cada um era uma subjectividade pronta a cumpliciar-se selectivamente com outras subjectividades em particulares visões do mundo e a democracia garantia que cada palavra individual era igual a cada palavra individual na formação das maiorias alternantes no leme do poder.
Sob o manto protector e exaltante das liberdades formais, sob a força telúrica e racional do mercado e sob a intervenção equilibrante e humanizadora do Estado as luzes do progresso misturar-se-iam com o calor dos afectos num mundo razoavelmente bondoso e numa atmosfera aceitavelmente meritocrática.
Este era o menú de luz da «liberdade, da igualdade e da fraternidade» com umas pitadas mais ou menos apimentadas de companheirismo do Estado. Este era o caminho radioso do ocidente que se opunha às sombras sinistras dos «goulacs».
No comando estariam os mais aptos, nas ciências os mais inteligentes, na riqueza os mais empreendedores: mas ninguém seria excluído da cidade, ninguém deixaria de ser bem cuidado da saúde e ninguém deixaria de se sentar a uma mesa bastante!
Alguns dos abris de Abril tomaram esta carta de intenções nas suas mãos, levaram-na ao regaço onírico do socialismo, regaram-na com a loucura de cavalos à solta, deram-lhe espaços ecuménicos, fizeram dela a gazua da liberdade de povos que pensaram justos e tomaram-na como mãe na solidária caminhada pelas veredas do futuro.
Sabem onde está esta carta? Têm-na visto por aí? Conformaram-se com o seu exílio?
Eu, não!
 
Valter Guerreiro