segunda-feira, 7 de maio de 2012

Portugueses: CÚMPLICES ou VÍTIMAS?
A mais genial das utopias anunciou que a trama da vida e o fluxo do tempo fariam da classe proletária o reduto da memória, do pensamento e da redenção universais mas a história disse que não e eu fiquei sem saber a que amigos me juntar para ajudar a fazer outro mundo!
Não sei quem esses amigos são mas sei que não serão cúmplices nem vitimas.
Portugueses: CÚMPLICES ou VÍTIMAS? um poder transparente e meritocrático reclama uma sociedade civil forte. Não é o caso: somos fracos, apáticos, cúmplices e temos medo.
As revoluções socialistas foram decepcionantes e a democracia é um arremedo: o futuro adensa-se de sombras e a guerra anda por aí.

O desespero e a fome matam a alma, colocam o estômago no centro do mundo e os símbolos da cidad
ania há muito devorada pela cultura do consumo esfarelam-se diante das prateleiras do Pingo Doce!
Desapareceram as filosofias alternativas totais ao estilo de Marx, o emprego deu lugar ao trabalho e a vida tornou-se uma criatura aleatória num mundo darwinista povoado de incertezas, de corruptos e de mentecaptos!
E tudo vai de mal a pior porque há filhos para sustentar, o crédito é uma forca, as finanças estão ávidas, os bancos são vampiros, o dinheiro roubado passa férias nos paraísos fiscais e os ladrões continuam à solta.
Silêncio, depressão e angústia portanto! Salvam-se os notáveis e os seus séquitos!
Portugal é um antro de injustiça, imbecilidade e oportunismo: um pequeno antro onde os mesmos são presidenciáveis, ministeriáveis, empregáveis, viajáveis, europeizáveis, mediatizáveis, condecoráveis e fazedores da opinião pública!
Fora os milionários da bola só os artistas de cordel adquirem semelhante estatuto, alcançam tamanho prestígio e partilham com igual abundância dos recursos e das oportunidades escassas de um país madrasto para milhões dos seus filhos.
O mercado, sempre o mercado, justifica que uns pontapés numa bola valham por minuto mais dinheiro que 2000 horas de aulas universitárias num ano!
O cinismo, a pesporrência e a impunidade tornam-se elementos estruturantes da cultura tecnocrática e neo-liberal que o socialismo, a social-democracia e a democracia cristã vão alimentando para benefício dos sócios e dos amigos dos partidos!
Qual buraco negro, o centrão captura a luz, esconde-a e não mais a deixa sair : o país está às escuras!
Sob o chapéu da poderosa Europa não há nada a temer: qualquer abanão será estrangulado e todas as utopias serão cremadas na normalidade constitucional de uma existência vigiada pelos polícias do défice.
Pão e circo continua a ser o móbil escondido das organizações e das cabeças deslavadas que alternam ao leme dos poderes supranacionais e pátrios.
Ninguém parece ter alternativa e o homem das cavernas está aí: engravatado e técnico joga na bolsa, lança opas, teoriza a produtividade, clama pela eficácia e nem se lembra que a alma existe.
A esfera do espírito onde o homem é ou deixa de ser foi esmagada pela avidez do dinheiro e pelo sentimento de desorientação diante do êxito dos sentimentos mais primários.
Alienados como todos os outros, os portugueses perdem a consciência da sua dignidade e entregam-se à estúpida competição pelo sucesso individual sem perceberem que navegam no vazio!
E os mais frágeis dos lúcidos desesperançados desistem de si próprios e do mundo.
Derrotado o fascismo, a democracia confundiu a liberdade com o oportunismo, a corrupção e o compadrio!
Mas como a politica é um modo da moral no Estado e não uma técnica eu vou acreditando que nem tudo está perdido: se deixarmos de ser cúmplices as vítimas serão ELES a bem da humanidade!
 
Valter Guerreiro

sexta-feira, 4 de maio de 2012

CONTRASTES A GALOPE

Crepúsculos suaves, sóis em fogueiras
Jovens debutantes e velhas rameiras
Desertos com sede, prados vicejantes
Uns cheios de medo, outros arrogantes
Há mares de esperma e fósseis de cio
Onde a vida corre
E onde a vida morre,
havia um rio!

E eu viajante de estradas sem fim
Pergunto às estrelas se sabem de mim
Que de mim eu não sei, perdido que estou
Nas dobras do mundo,
Nos contrastes de fundo
Não sei p`ra onde vou
Nem o que é este mundo!

Riqueza opulenta, pobreza ao relento
Escritórios robóticos, searas ao vento
Vígaros sem tempo, honestos falidos
Vozes trovejantes e frágeis balidos
De gente no trono, de gente humilhada
Onde a vida corre
Onde a vida morre,
há gente sem nada!

E eu andarilho de ideias sem fim
Pergunto às estrelas que será de mim
Que de mim eu não sei, confuso que estou
Nas dobras de fundo, nos contrastes do mundo
Não sei quem eu sou
Nem o que vai no fundo!

E neste corrimento louco e galopante
Gelado, geleia, excretório do que vi
Ganhei e perdi tudo num instante
Mulher, família, mobília e amante
E nem uma flor eu deixei em ti!

Valter Guerreiro
Gosto dos silêncios rituais, dos silêncios «olhos nos olhos», dos silêncios que «dizem mais que as palavras» mas o silêncio de que mais gosto é o que não me dão: o silêncio destes políticos!

Valter Guerreiro
Matar o desejo para fugir à dor é a fase derradeira da impotência!

Valter Guerreiro
A mágoa lavrada pela mentira é coisa menos dolorosa que a mágoa de saber que quem mente é uma mentira!

Valter Guerreiro

quarta-feira, 2 de maio de 2012

POESIA EM EX CONTRA OS SIMPLEX

Estou perplexo por reflexo

de ser complexo…
Se assim não fosse,
uma flor seria uma flor
Mas a pura complexidade,
Vê em cada flor, um amor
E nele escreve: eternidade!

E neste complexo e perplexo desvario

As coisas não são o que são: são desejo
de a lágrima ser rio, o mar Adamastor
E quando um beijo é apenas um beijo
E a dor é só a dor
Não há poesia, há economia
Não há amor…

Se eu assim fosse seria um simplex

A luz das estrelas vulgar combustão
E o mundo seria curtex…
Como crânio que coubesse
na palma da minha mão…

Mas eu insisto em resistir

E não desisto de te pensar
Ideia, mulher, lugar
Onde os sonhos possam ir
De rua em rua
No chão da lua
Ao mundo que não há
Nem está para vir…

Afinal,

Sou tão simples de complexo
Que me basta um quintalzinho,
pequenexo
Para plantar as sementes
E colher os rebentos
da minha poesia
Que fala das piras, das piranhas
e até do pirex…
Pura fantasia...
Nunca um simplex!

Valter Guerreiro
LEMBRANDO O ANTÓNIO VARIAÇÕES

As palavras soltam-se na música inconfundível para exceder um tempo. São palavras simples, doridas e provocatórias que usam harmonias muito pessoais para escoar inquietações que se atam às nossas.


Despidas de violência, envolvidas numa específica respiração popular as imagens vestem-se de estéticas sonoras originais para pedir meças ao convencional sem afrouxar na
qualidade. A voz que traz as cantigas sugere uma irreverência humilde e lança-se nas alturas para ganhar uma estranha beleza, fortemente identitária.

Os conflitos, as emoções, os desejos, os medos que o artista convoca são dele mas a substância de que são feitos e a inspiração que os processa transpersonalizam-nos com uma singular genialidade: perturbam, agitam, agradam e desafiam a sociedade transversalmente. É uma arte que interessa o homem comum e o erudito, é uma arte que é portuguesa sem prescindir da universalidade, é uma arte que politiza sem reivindicar um padrão ideológico. Porque é autêntica, porque é inteligente, porque descola do conhecido.

Sinal de um destino votado à glorificação póstuma, dramatização tecida pelo acaso ou mera decorrência de um traço transgressivo, o cantor foi pioneiro de uma doença trágica que o arrancou prematuramente ao nosso convívio. A morte precoce é uma conhecida condição para a construção dos mitos e, no caso do cantor, a maleita que o vitimou recobre-se de um duplo simbolismo: permanecendo um sinal dos tempos, vinca tragicamente a actualidade dos acasos e descasos da sua curta passagem pelo mundo; dando uma involuntária coerência à sua originalidade na morte e na vida, adensa mistérios e aguça a curiosidade pela sua obra.

Ícone da excentricidade, o artista deixou um legado polémico e suficientemente rico para ser explorado de vários ângulos em benefício da arte de fazer canções, da arte de as vocalizar e da arte de as encenar.

Por si só, esta herança original justificaria uma serena homenagem ao seu contributo versátil para o domínio das cantigas, mas não é tudo. Há um homem controverso, autêntico e inquietante por detrás dos sons em redemoinho e das frases esculpidas nos enlaces da vida comum com os exercícios nas margens: é uma figura humana cruzada pelo destemor da alma, pela indumentária bizarra e pela tragédia pessoal.

De traça plebeia e em estilo popular, a memória que guardo de Variações é mais um labéu acusatório da sociedade «normalizada» e depressiva que cava cada vez mais fundo no nosso quotidiano.

Valter Guerreiro